20 março 2009

Aedos e Rapsodos (3) - Cecília Meireles


Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu em 7 de novembro de 1901, no bairro da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro. Devido ao falecimento prematuro de seus pais foi criada por sua avó, D. Jacinta Garcia Benevides. Cecília Meireles escreveria mais tarde sobre este triste acontecimento tão marcante para sua infância e vida:

"Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno.”

(...) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade.

(...) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano."

Em 1917, Cecília Meireles formou-se no Curso Normal do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, tornando-se professora do curso primário. Dois anos depois, em 1919, publicou seu primeiro livro de poesias, "Espectro". Seguiram-se "Nunca mais... e Poema dos Poemas", em 1923, e "Baladas para El-Rei em 1925. Caracterizou-se como escritora habilidosa, possuindo grande fluência vocabular e riqueza de imagens reflexivas e filosóficas. Abordou temas como a transitoriedade da vida, o efêmero, o amor, o infinito e a natureza. De forte influência simbólica, fez uso de temas como os elementos (água, ar, terra e fogo), além de vento, mar, tempo e espaço para composição de suas poesias. Cecília teve uma brilhante carreira como poetisa, professora, pedagoga e jornalista. Foi casada duas vezes e teve três filhas.

“Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdidaa minha face?”

Em 1934 fundou a biblioteca Infantil do Rio de Janeiro e começou a ensinar Literatura Brasileira em Lisboa e Coimbra (Portugal). Em 1936, passou a lecionar Literatura Brasileira na recém fundada Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além da vitoriosa carreira como professora, continuou publicando inúmeros livros de poesia e prosa sobre temas pedagógicos, folclóricos e infantis.

“Atitude
Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.

O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.

Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.
E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.”

Cecília Meireles morreu no Rio de Janeiro em 9 de novembro de 1964. No ano seguinte, o Governo do então Estado da Guanabara a homenageou dando o nome de Sala Cecília Meireles a um grande salão de concertos e conferências do Largo da Lapa.

Sua poesia foi assim julgada pelo respeitadíssimo crítico Paulo Rónai:

"Considero o lirismo de Cecília Meireles o mais elevado da moderna poesia de língua portuguesa. Nenhum outro poeta iguala o seu desprendimento, a sua fluidez, o seu poder transfigurador, a sua simplicidade e seu preciosismo, porque Cecília, só ela, se acerca da nossa poesia primitiva e do nosso lirismo espontâneo... A poesia de Cecília Meireles é uma das mais puras, belas e válidas manifestações da literatura contemporânea.”

“Sonhei um sonho
E lembrei-me do sonho
E esqueci-me do sonho
E sonhei que procurava
Em sonho aquele sonho
E pergunto se a vida
Não é um sonho que
Procura um sonho.”

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