23 março 2009

Dar um tempo no Blog




Resolvemos fazer uma parada estratégica e temporária nos nossos artigos.

Eles foram feitos com muita dedicação e entusiasmo. Entretanto não sabemos como estão sendo percebidos pelos leitores, pois apenas alguns nos deram retorno sobre suas impressões. Na realidade não sabemos se a medida estava certa, se poderíamos aprofundar mais alguns conceitos e idéias ou se seria melhor elaborar artigos mais leves.

Ocorre ainda que precisamos dedicar nosso tempo atual a um antigo projeto:

“Grande Sertão: Uma Travessia Arquetípica”.

Isso mesmo, pretendemos fazer uma leitura da obra maravilhosa de Guimarães Rosa com a referência da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung. Acreditamos que o resultado poderá ser gratificante. O projeto é a amplificação de uma monografia já apresentada num curso de pós-graduação.

Como aperitivo, eis algumas citações do grande Rosa nessa sua obra:

“Buriti quer todo azul, e não se aparta de sua água - carece de espelho. Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende” (p. 289). Instigante relação entre a árvore símbolo do cerrado e do sertão brasileiros na sua necessidade de “espelho”, o que também ocorre com o bom professor que se vê no aluno. Ele não pode ser uma ameaça e sim a possibilidade de crescimento de ambas as partes! E a dinâmica da aprendizagem sempre atinge o EDUCADOR. Na realidade, nem todo professor é um educador, mas seria esse o grande ideal!!! E Rosa deve ter se referido a essa diferença.


“O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso me alegra, montão. (p. 21). Está aí apresentada uma deixa para o processo de construção de uma individualidade que leva toda uma vida: o Processo de Individuação – conceito basilar de Jung na sua psicologia.

“Qual é o caminho certo da gente? Nem para frente, nem para trás: só para cima. Ou parar curto quieto. Feito os bichos fazem. Os bichos estão só é muito esperando? Mas quem é que sabe como? Viver ..... o senhor já sabe: viver é etcétera.” (p. 87).

“O ruim com o ruim, terminam por as espinheiras se quebrar – Deus espera essa gastança. Moço: Deus é paciência ... Até as pedras do fundo, uma dá na outra, vão-se arredondinhando lisas, que o riachinho rola ... tudo quanto há, neste mundo, é porque se merece e carece. Deus não arrocha o regulamento. Deixa: bobo com bobo – um dia, algum estala e aprende: esperta. Só que, às vezes, por mais auxiliar, Deus espalha, no meio, um pingado de pimenta (p. 16).

E, para finalizar, uma pequena amostra da gente do seu sertão e dos seus Gerais: “Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo o mundo ... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa ... para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!” (p. 14).

Após essa pequena mostra da capacidade impressionante de comunicação de Rosa, tentando unir o sertão interior e o exterior, fazemos nossa despedida. Que não seja por muito tempo...

E se você quiser se comunicar, dar sugestões, comentar......... o que for, entre em contato:

Kairos800@yahoo.com.br

Um grande abraço!

Bosco e Ingrid

20 março 2009

Aedos e Rapsodos (4) - Cora Coralina



“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”


Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, nascida em 20 de agosto de 1889 na cidade de Goiânia, foi uma das mais populares poetisas e contistas brasileiras. Coralina era uma mulher simples, doceira de profissão, que viveu na pequena cidadezinha chamada Goiás, sendo a responsável por uma obra poética rica em motivos cotidianos do interior brasileiro, em particular dos becos e ruas históricas de sua cidade natal. Na introdução do seu livro “Vintém de Cobre”, é mostrado o papel preponderante que os poetas têm para com seus semelhantes. Eles são os aedos e rapsodos de nosso tempo, que só futuramente poderão ser melhor compreendidos.

“A cidade de Goiás, antiga Vila-Bôa de Goyas .......................................Encravada as margens do Rio Vermelho, num vale cercado por colinas, impossibilitada fisicamente de expandir-se, a cidade acabou por assumir um ar romântico imposto por contingências históricas e por força de sua situação geográfica.................

Este costume de os mais velhos contarem casos para as crianças, ao entardecer, é um fato psicológico que deve ser realçado como elemento provocador, por excelência, da imaginação criadora dos vilaboenses.

O “contar casos” se constitui numa tradição familiar de nossos ancestrais que Cora Coralina faz reviver em sua obra com toda a pujança de seu poder criador. Em seus poemas, encontramos o estilo oral desses “casos”, sem invencionices literárias gravadas com pretensões sofisticadas, mas com a aparente simplicidade que caracteriza a sua obra poética.

É em Vintém de Cobra, Meias Confissões de Aninha, que a poesia de Cora Coralina se realiza como o elo de permanência da tradição que vem dos tempos passados em busca da afirmação de uma brasilidade futura conforme palavras da própria autora: “ Geração ponte, eu fui, posso contar.”

Cora Coralina nasceu e foi criada às margens do rio Vermelho, num velho casarão do século XIX. Escreveu seus primeiros poemas aos quatorze anos de idade, tendo sido publicados somente em jornais da sua cidade. Sua escolaridade resumia-se nas primeiras quatro séries do então curso primário (ensino fundamental).

Ela casou-se em 1910 com o advogado Cantídio Tolentino Bretas, com quem se mudou, no ano seguinte, para o interior de São Paulo. Aí viveu com a família por quarenta e cinco anos. Segundo a poetisa, ao completar cinqüenta anos de idade, passou por intensa transformação interior, definida por ela posteriormente como "a perda do medo". Nesta época passou a usar o pseudônimo com o qual se tornou conhecida. Em 1956, ficando viúva, retornou para Goiás. Durante esses anos, Cora não deixou de escrever poemas relacionados com a sua história pessoal, com a cidade em que nasceu e com ambiente em que foi criada.

“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.”

“O saber se aprende com os mestres. A sabedoria, só com o corriqueiro da vida.”

“Não sei ...se a vida é curta ou longa demais para nós,

Mas sei que nada do que vivemos

Tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.”

Ela usou como fonte de inspiração os elementos folclóricos que faziam parte de seu cotidiano. Através de seus versos se fez conhecer em todo Brasil, servindo de exemplo e inspiração para tantos que conviveram com esta grande artista.

Cora Carolina morreu, na cidade de Goiânia, em 10 de abril de 1985. A sua casa na Cidade de Goiás foi transformada num museu em homenagem à sua história de vida e produção literária.

“Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir...

Ajuntando novas pedras

e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.

Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha

um poema.

E viverás no coração dos jovens

e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.

Toma a tua parte.

Vem a estas páginas

e não entraves seu uso aos que têm sede.”


Carta de Carlos Drummond de Andrade para Cora Coralina:

Rio de Janeiro, 7 de outubro, 1983.

Minha querida amiga Cora Coralina:

Seu “Vintém de Cobre” é, para mim, moeda de ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não se pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia (...).

Não lhe escrevi antes, agradecendo a dádiva, porque andei malacafento e me submeti a uma cirurgia. Mas agora, já recuperado, estou em condições de dizer, com alegria justa: Obrigado, minha amiga! Obrigado, também pelas lindas, tocantes palavras que escreveu para mim e que guardarei na memória do coração.

O beijo e o carinho do seu

Drummond

Aedos e Rapsodos (3) - Cecília Meireles


Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu em 7 de novembro de 1901, no bairro da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro. Devido ao falecimento prematuro de seus pais foi criada por sua avó, D. Jacinta Garcia Benevides. Cecília Meireles escreveria mais tarde sobre este triste acontecimento tão marcante para sua infância e vida:

"Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno.”

(...) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade.

(...) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano."

Em 1917, Cecília Meireles formou-se no Curso Normal do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, tornando-se professora do curso primário. Dois anos depois, em 1919, publicou seu primeiro livro de poesias, "Espectro". Seguiram-se "Nunca mais... e Poema dos Poemas", em 1923, e "Baladas para El-Rei em 1925. Caracterizou-se como escritora habilidosa, possuindo grande fluência vocabular e riqueza de imagens reflexivas e filosóficas. Abordou temas como a transitoriedade da vida, o efêmero, o amor, o infinito e a natureza. De forte influência simbólica, fez uso de temas como os elementos (água, ar, terra e fogo), além de vento, mar, tempo e espaço para composição de suas poesias. Cecília teve uma brilhante carreira como poetisa, professora, pedagoga e jornalista. Foi casada duas vezes e teve três filhas.

“Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdidaa minha face?”

Em 1934 fundou a biblioteca Infantil do Rio de Janeiro e começou a ensinar Literatura Brasileira em Lisboa e Coimbra (Portugal). Em 1936, passou a lecionar Literatura Brasileira na recém fundada Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além da vitoriosa carreira como professora, continuou publicando inúmeros livros de poesia e prosa sobre temas pedagógicos, folclóricos e infantis.

“Atitude
Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.

O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.

Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.
E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.”

Cecília Meireles morreu no Rio de Janeiro em 9 de novembro de 1964. No ano seguinte, o Governo do então Estado da Guanabara a homenageou dando o nome de Sala Cecília Meireles a um grande salão de concertos e conferências do Largo da Lapa.

Sua poesia foi assim julgada pelo respeitadíssimo crítico Paulo Rónai:

"Considero o lirismo de Cecília Meireles o mais elevado da moderna poesia de língua portuguesa. Nenhum outro poeta iguala o seu desprendimento, a sua fluidez, o seu poder transfigurador, a sua simplicidade e seu preciosismo, porque Cecília, só ela, se acerca da nossa poesia primitiva e do nosso lirismo espontâneo... A poesia de Cecília Meireles é uma das mais puras, belas e válidas manifestações da literatura contemporânea.”

“Sonhei um sonho
E lembrei-me do sonho
E esqueci-me do sonho
E sonhei que procurava
Em sonho aquele sonho
E pergunto se a vida
Não é um sonho que
Procura um sonho.”