O tempo cronológico, também chamado de linear, é um dos aspectos mais importantes do estilo de vida atual. Tantos são os afazeres, as tarefas, os projetos que a vida se esvai inexorável e insistentemente. A gíria “Estou correndo atrás....”, é a imagem que nos remete à dolorosa realidade de pessoas que não conseguem articular e desenvolver aquilo que julgam precisar. Para aumentar ainda mais o grau de ansiedade, dizem que a ciência comprovou que o tempo está realmente acelerado, fazendo com que as pessoas se sintam ainda mais devedoras de novas tarefas e futuras atividades. Assim, aumenta o desgaste e a sensação de incapacidade para realizar o que é necessário.
A falta de tempo está se tornando um mito moderno que serve de pretexto para nos desvencilharmos de compromissos relacionados com as relações humanas e atividades comuns da vida cotidiana. Tudo isso passa a influenciar a qualidade de vida, a saúde, aumentando a sensação de desgaste e solidão. Nesse ritmo, fica patente que as relações pessoais passam a ficar em segundo plano, assim como há evidência de que temos dificuldades em priorizar nossos próprios interesses.
Nesse contexto, surgem alguns movimentos questionadores desse ritmo de vida apressado, de forma a valorizar o estilo mais lento e autêntico. Como exemplo, após a dominação do conceito de comida muito rápida para se ganhar tempo, surge a tendência ainda localizada e incipiente de retorno ao tipo de alimentação natural e que incorpore um ritmo mais lento. São pequenos indícios de que nem tudo está perdido; há salvação nessa correria desenfreada! Entretanto, verdadeiros desafios para ordenar as atividades não constituem invenção da modernidade.
Na Grécia antiga, a “tecné” tinha os componentes de arte e criação, sem privilegiar quantidade ou linha de produção. Valorizava-se a liberação de mais tempo para lazer, festividades, poesia, teatro, festas pagãs e religiosas. O desenvolvimento da medicina ocorreu em Epidauro, centro de tratamento que incluía os fatores do corpo e da mente. Era importante a prática de atividades que trouxessem satisfação e prazer, assim como era valorizada a disponibilidade para o ócio. Sem esse tempo livre não poderia haver saúde.
O grego levava esse assunto tão a sério que só algo muito importante o convencia a negar o ócio, ou seja, precisava de argumentos sólidos e consistentes para sair e fazer um “negócio”. Atualmente esta equação parece estar totalmente invertida, com elevado valor em se fazer sempre bons negócios. E o tempo disponível para a saúde física, mental e espiritual?
O mundo do trabalho é absolutamente necessário, mas não podemos ter nossa identidade formada com o predomínio absoluto dos aspectos profissionais (persona!). Assim, a primeira pergunta que se faz a outra pessoa que se conhece diz respeito à sua profissão. Esta curiosidade é natural e complementar, mas não podemos descrever, compreender ou limitar o ser humano apenas por sua atividade de trabalho. A própria etimologia da palavra “trabalho” vem do latim “tripalium”, que significa instrumento de tortura, do mesmo modo que labor significa sofrimento.
O trabalho não é um problema em si, mas sim o que estamos fazendo com ele. O mesmo dignifica o ser humano, mas precisa constituir-se também em fonte de prazer e de liberdade. Em muitos casos ele é transformado em atividade enfadonha, cansativa, causadora de mortes, doenças e insatisfações. E as pessoas não são apenas “recursos humanos”.
A palavra “ócio” apresenta outros desdobramentos que não apenas o pejorativo tão habitualmente utilizado. A sua etimologia mostra que ela vem do grego “skolé”, originando no latim o termo “schola”, que significa “escola” em português. Como “trabalho” está associado com negar o ócio, diz-se que Filosofia, Ciência e Arte são filhas do ócio, ou seja, da “Escola”. São assim atividades que podem privilegiar o ser humano integral e não apenas o seu componente produtivo.
A visão grega das atividades e do próprio mundo era integradora, contemplando todos os aspectos conhecidos. E não vamos ao encontro dessa visão para desmerecer o trabalhar e sim mostrar que ele pode ser integrado com outros interesses e atividades para o ser humano, de maneira a trazer benefícios para todos.
A escola atual nos remete à idéia mais abrangente de educação, atividade que deveria ser mais valorizada como referência da sociedade em preparar os cidadãos para a vida. Há a preocupação em ampliar o conhecimento histórico-cultural-científico, mas grande omissão em valorizar os aspectos humanos e ensinamentos como o estabelecimento de metas e prioridades individuais e coletivas, como também na administração de tempo e energia. Nesse prisma, a discussão em torno do ensino religioso poderia abranger aspectos mais amplos e espirituais de realização do ser humano.
Quaisquer obras e realizações das pessoas, entretanto, pressupõem um planejamento de atividades que leve em conta a administração do fator tempo. Esse é um ponto crítico atual, pois o progresso, o conhecimento e as novas tecnologias parecem despertar sempre mais e maiores necessidades nas pessoas. E assim aperta-se esse círculo de exigências auto-impostas, aumentando as preocupações por mais atividades e menos tempo disponível.
Os poetas e os artistas sempre apreciaram a exploração do tema. Um exemplo de Gilberto Gil, realçando este fator no trono da elevada importância nas vivências:
TEMPO REI
Não me iludo, tudo permanecerá do jeito
Que tem sido, transcorrendo, transformando
Tempo e espaço navegando todos os sentidos
Pães de Açúcar, Corcovados
Fustigados pela chuva e pelo eterno vento
Água mole, pedra dura
Tanto bate que não restará nem pensamento
Tempo rei, ó tempo rei, ó tempo rei, transformai as velhas formas do viver
Ensinai, ó Pai, o que eu ainda não sei, mãe senhora do Perpétuo socorrei
Pensamento, mesmo fundamento singular
Do ser humano, de um momento para o outro
Poderá não mais fundar nem gregos nem baianos
Mães zelosas, pais corujas
Vejam como as águas de repente ficam sujas
Não se iludam, não me iludo
Tudo agora mesmo pode estar por um segundo
O alerta da transitoriedade nos toca a sensibilidade pelo lado artístico. A concentração plena no trabalho e nas personas nos afasta dos amigos, da família e da vida mais plena. E tudo pode estar por um segundo!
Caetano Veloso alça o tempo além de um reino, como um dos deuses mais lindos. Conseguirá o ser humano fazer acordo com ele?
Caetano Veloso alça o tempo além de um reino, como um dos deuses mais lindos. Conseguirá o ser humano fazer acordo com ele?
ORAÇÃO DO TEMPO
És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Vou te fazer um pedido
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Entro num acordo contigo
Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo
És um dos deuses mais lindos
Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ouve bem o que eu te digo
Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Quando o tempo for propício
De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definitivo
Tempo, tempo, tempo, tempo
E eu espalhe benefícios
O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Apenas contigo e comigo
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Não serei nem terás sido
Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Num outro nível de vínculo
Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Nas rimas do meu estilo
Tempo, tempo, tempo, tempo.
Obs. O próximo artigo será continuação deste e poderá não ser remetido para a lista de emails, mas estará disponível no em http://kairos800.blogspot.com/
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Obs. Recebemos de uma pessoa "anônima" a sugestão de fazer um artigo sobre um certo poeta português de nome provável José Vicente Carvalho. Houve um problema técnico ao manusear o texto no blog e a sugestão foi perdida. Solicitamos que a pessoa interessada confirme esse nome ou o corrija, por favor, para que possamos verificar a possibilidade de um texto sobre ele.
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