04 fevereiro 2009

Aedos e rapsodos - 2 Manuel Bandeira





Aedos e rapsodos - 2 Manuel Bandeira

Continuando a série de artigos em homenagem aos poetas brasileiros, falaremos de Manuel Bandeira, que contemplou os amantes da poesia com o belíssimo livro “Estrela da Vida Inteira”.

Manuel Bandeira foi um dos mais admirados escritores nacionais, inspirando muitos novos poetas e compositores. Bandeira possuia um estilo simples, direto e suave, talvez o mais lírico dentre os poetas brasileiros. Abordava temáticas cotidianas e universais, lidando com formas e inspirações do dia-a-dia. Como profundo conhecedor de literatura, utilizou temas simples usando formas inspiradas nas tradições clássicas e medievais.

“Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah! Se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Se eu soubesse repor –
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância.”

Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu no Recife no dia 19 de abril de 1886. Aos dezoito anos o autor soube que estava tuberculoso, tendo por este motivo abandonado suas atividades e buscado novas localidades com clima mais apropriado para cuidar de sua saúde. Passou temporadas em diversas cidades: Teresópolis, Maranguape, Uruquê, Quixeramobim.

".... - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. - Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."

Em 1917, publicou seu primeiro livro: A cinza das horas, numa edição de 200 exemplares custeada pelo autor. Bandeira sofria de certa melancolia e angústia pelos riscos de vida em pela falta de tratamento específico que significava a tuberculose naquela época. A todo momento e lugar a morte rondava sua obra poética. Sua poesia conjugava seu drama pessoal e o conflito de estilos poéticos daquela momento histórico (1922 – Movimento Modernista). Isto se faz conhecer em poemas suaves, quando inesperadamente, comentários mordazes interrompem a fluência dos versos.

“Sou bem nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.

Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida
Rugiu como um furacão.

Turbou, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó –
Ah! Que dor!
Magoado e só,
- Só! – Meu coração ardeu

Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria....
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria.
- Esta pouca cinza fria....”

Em 1940 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, quando passou a lecionar literatura hispano-americana da Faculdade Nacional de Filosofia. Era o amigo dos amigos e sofria cada vez que Mario Quintana perdia sua indicação para Academia de Letras. Em poesia esperava por Guimarães Rosa para o chá das cinco. Como Rosa achasse que iria morrer quando ali tomasse posse, adiou ao máximo o momento de fazê-lo.

“Não permita Deus que eu morra
Sem que ainda vote em você,
Sem que, Rosa amigo, toda
Quinta-feira que Deus dê
Tome chá lá na Academia
Ao lado de vosmecê,
Rosa dos seus e dos outros
Rosa da gente e do mundo,
Rosa de intensa poesia
De fino olor sem segundo;
Rosa do rio e da rua
Rosa do sertão profundo!”

Poeticamente, em seu livro Grande Sertão: Veredas, Rosa respondeu num diálogo imaginário:
“ Amor vem de amor. Amizade dele, ele me dava e amizade dada é amor.”

Ao que respondeu Manuel Bandeira em tom de pedido:

Respondo a Guimarães Rosa
Em pé de romance assim:
Vou pedir ao Maçarico
Vou pedir ao Miguilim
Que a mano Rosa eles digam:

“Rosa não seja ruim
Faça a vontade do bardo
Ainda que bardo chinfrim”
E eu secundo mano Rosa
Rosa, rosai, rosae, rosoe,
Vou aos meus dias pôr fim
Antes, porém, me prometa,
Pelo senhor do Bonfim
Que a minha futura vaga
Você se apresenta, sim?
Muito saldar a Riobaldo,
Igualmente a Diadorim.

Bandeira, que sofreu a vida inteira pela possível iminência de morte devido a tuberculose, viveu para ver seu amigo Rosa falecer logo após tomar posse na Academia Brasileira de Letras.

Seus poemas se mantêm entre a dor suprema e a alegria extremada compensatória. Seus objetos de desejo eram inalcansáveis e o prazer não se encontrava na satisfação do desejo, mas na excitação do abandono e da perda. Bandeira adotou formas modernistas, abandonando a métrica tradicional e promovendo o verso livre, de forma a acompanhar a tendência do Movimento Modernista.

Comemorou 80 anos em 1966, quando lançou os livros Estrela da Vida Inteira (poesias completas e traduções de poesia) e Andorinha Andorinha (seleção de textos em prosa, organizada por Carlos Drummond de Andrade). No dia 13 de outubro de 1968 morreu o corpo do poeta Manuel Bandeira, mas a sua poesia ficou e perdurará para marcar a trajetória de um dos grandes expoentes brasileiro na literatura do século XX.

“Tu que me deste o teu carinho
E que me deste o teu cuidado,
Acolhe ao peito, como um ninho
Acolhe o pássaro cansado,
O meu desejo incontentado.

Há longos anos ele almeja
Em aflita escuridão
Sê compassiva e benfazeja
Dá-lhe o melhor que ele deseja
-Teu grave e meigo coração.

Sê compassiva se algum dia
Te vier do pobre agravo e mágoa
Atenue a sua dor sombria
Perdoa o mau que desvaria
E traz os olhos rasos de água.

Não te retires ofendida
Pensa que nesse grito vem
O mal de toda a minha vida
Ternura, inquieta e malferida
Que, antes, não dei nunca a ninguém.

E foi melhor nunca a ter dado:
Em te pungindo algum espinho
Cinge-a ao teu seio angustiado
E sentirás meu coração
E sentirás o meu cuidado.”

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