17 novembro 2008

Alma (1)


“Tudo vale a pena se a alma não é pequena”


Tabacaria
(Autor: Fernando Pessoa)

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Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim, não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me,
Quando quis tirar a máscara
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido........


Uma das características do ser humano é possuir as experiências de vontade e reflexão como maneira de conhecer e entender acontecimentos externos e internos. As pessoas assumem atitudes diversas para um melhor ajuste aos ambientes sociais (externos). De um modo geral, possuímos máscaras (personas) com a qual nos apresentamos na vida pública, outras para a vida intima e familiar e outras ainda para se adequarem a determinadas situações. A relação com o mundo exterior torna-se fortalecida e facilitada quando a personalidade se ajusta às expectativas ambientais e das pessoas participantes.

Ao longo da vida e principalmente no círculo familiar, existem papéis que podem ser experimentados: criança travessa, bode expiatório, ovelha negra, dom Juan, mulher fatal. Muitas dessas máscaras continuam pregadas à face, mesmo quando não mais necessárias, como mencionou o brilhante poeta na parte do poema destacada.

A máscara serve ao indivíduo como um mecanismo de adaptação ao meio, possuindo capacidade para mudar ao longo da vida. Na realidade, usamos vários modelos para os diversos papéis e situações, algo que é necessário na adaptação familiar e social. Ela viabiliza uma personalidade pública, funcionando como uma proteção entre a pessoa e o mundo. Uma das metas almejadas dos processos psíquicos é a flexibilização destas máscaras, visando a modificar antigos padrões e sua utilização enquanto é preciso.

Da mesma forma o contato interno, com aquilo que temos de mais íntimo e desconhecido, é feito através de uma entidade (ou personalidade) a alma.


Mar Portuguez
(Autor: Fernando Pessoa)

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


Para o indivíduo, em sua relação interna com o inconsciente, os perigos são imensos, assim como o mar ao qual Deus ofereceu os atributos dos perigos e abismos. Para atuar junto à magnitude de forças presentes no inconsciente, a alma permeia e permite o contato da consciência humana com a energia luminosa que possui no seu interior.

Podemos assim abstrair que a alma é complementar à máscara (persona) e que apresenta a função de ligar o indivíduo às camadas mais profundas da psique. A alma funciona como um portal entre a consciência individual e as áreas mais profundas do ser (inconsciente coletivo). Assim, quando dizemos que a pessoa “tem” alma, significa que ela mostra a sua sensibilidade desenvolvida, iniciando no seu próprio contato com o mundo interior.

A maneira como a pessoa trata seu mundo interior retrata sua alma. E isso se manifesta também nas suas relações com os objetos externos. A percepção com mais equilíbrio entre os fatores externos e internos é questão fundamental para a saúde psicológica, pois se um dos aspectos prevalecer o eu perde a sua flexibilidade. Alma e persona mantêm uma relação de simetria e complementação, podendo ser uma o espelho da outra.

O desenvolvimento da consciência coloca o indivíduo e sua alma num processo dialético. É o contato entre a parte racional e a irracionalidade do inconsciente coletivo que marca, muitas vezes de maneira acentuada, a segunda metade da vida. Este diálogo é parte do Processo de Individuação, que promove a busca da realização do nosso tesouro interno. O que exige determinação e muita transpiração.


“Para Ser Grande”
(Autor: Ricardo Reis ou Fernando Pessoa)

“Para ser grande, sê inteiro:nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.”


O simbolismo histórico da Lua aponta para a sua conjunção com o Sol, mostrando o potencial a ser realizado nesse encontro do mundo inconsciente quando pode entrar em contato com as luzes da consciência. É o processo alquímico das transformações da natureza e do próprio homem. Com as asas da alma...



Um comentário:

Rafael Ladenthin disse...

Olá, gostei muito do blog e tomei a liberdade de colocá-lo como indicação no meu blog também.

http://discovoadordorafael.blogspot.com/

Parabéns pelo trabalho.

Paz