Nesse livro (*1), o autor Fritjof Capra mostra a maneira como a Física moderna quebrou paradigmas em vários campos do conhecimento: Medicina, Psicologia, Biologia, Economia. O livro é leitura obrigatória para todos aqueles que desejam um conhecimento atualizado sobre a nova maneira de fazer ciência. No capítulo 11: “Jornadas para além do espaço e do tempo”, Capra faz um apanhado da Psicologia moderna desde Freud até o advento da Psicologia Transpessoal nos Estados Unidos em meados de 1960. É interessante verificar alguns comentários sobre a parte do capítulo em que o autor disserta sobre a Psicologia Analítica e os conceitos junguianos desde que foram enunciados.
Em uma de suas principais obras, Aion (*2), Carl G. Jung refere-se aos conceitos psicológicos e os físicos da seguinte forma:
"Mais cedo ou mais tarde, a física e a psicologia do inconsciente se aproximarão cada vez mais, já que ambas, independentemente uma da outra e a partir de direções opostas, avançam para território transcendente, (....) A psique não pode ser totalmente diferente da matéria, pois como seria possível de outro modo movimentar a matéria? E a matéria não pode ser alheia à psique, pois de que outro modo poderia a matéria produzir a psique? Psique e matéria existem no mesmo mundo, e cada uma compartilha da outra, pois do contrário qualquer ação recíproca seria impossível. Portanto, se a pesquisa pudesse avançar o suficiente, chegaríamos a um acordo final entre os conceitos físicos e psicológicos. Nossas tentativas atuais podem ser arrojadas, mas acredito que estejam no rumo certo"
O médico e pesquisador Jung emitiu diversos conceitos que nem sempre foram bem compreendidos por seus contemporâneos, passando posteriormente a serem valorizados e estudados com o avanço e as descobertas da física moderna. Grande parte de suas conceituações vão do começo até meados do século XX. Durante algum tempo, pela incompreensão de seus conceitos, foi chamado de esotérico, místico e religioso. Somente no final do século XX e começo do século XXI, o meio científico começou a vê-lo como gênio e outras denominações pertinentes àquelas pessoas que conseguem montar uma obra coerente e bem estruturada, porém adiante de seu tempo. Sua obra não está acabada, pois deixou em aberto várias questões para serem pesquisadas e complementadas, mas oferece amplo material para estudo e prática. Atualmente podemos destacar algumas de suas conceituações que já podem ser explicadas pela física e outras disciplinas.
Numa abordagem holística de saúde, Jung propôs a doença como um fenômeno mental que acarretava uma enfermidade física ou psicológica. Em seus estudos, ele foi além do paradigma mecanicista do começo do século XX. Ele foi o precursor em fazer a equivalência da psicologia com a física moderna e a teoria geral dos sistemas, quando estes nem haviam sido enunciados. Desde a mitologia grega, na cidade de Epidauro, Asclépio filho do deus Apolo, praticava e ensinava a arte médica vendo o homem como uma entidade integrada pelo corpo físico, mental e sociocultural. Jung privilegiou a visão sistêmica, compreendendo a psique em sua forma total nas relações. Ele percebia a psique como um sistema dinâmico auto-regulador, funcionando por alterações visando ao equilíbrio entre opostos. As idéias de Jung sobre a psique humana e a doença mental foram inovadoras e bastante modernas para o seu tempo. Para ele, “a mente é como um sistema auto-regulador ou, como diríamos hoje, auto-organizador, e a neurose, um processo pelo qual esse sistema tenta superar várias obstruções que o impedem de funcionar como um todo integrado” (*1, p. 354).
Concebeu ainda a energia psíquica como a força motriz para promover a dinâmica da vida. Descreveu esta energia com a linguagem da física clássica, mas a dinâmica era o que hoje os físicos descrevem como sistêmica. Pela Física moderna, o universo passa a ser visto como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão inter-relacionadas. Assim, homem e natureza fazem parte da anima mundi, apresentando inter-relação em cada ato.
O conceito de Jung de inconsciente coletivo foi e ainda é o elemento que distingue sua psicologia de todos os outros teóricos. Para o autor o inconsciente coletivo mantém um vínculo entre o homem e a humanidade, ou ainda, entre o indivíduo e o cosmo. Esta conceituação está em pleno acordo com uma concepção sistêmica da mente, além de apresentar bastante semelhança com os fenômenos subatômicos descritos pelos físicos. Para Jung o inconsciente coletivo é constituído de arquétipos, que são padrões formados pelas experiências remotas da humanidade, estando as mesmas presentes pelos sonhos, mitos e contos de fadas. Para ele os arquétipos são “formas sem conteúdo, representando meramente a possibilidade de um tipo de percepção e ação”.
Devido ao profundo interesse por numerosas áreas de conhecimento, Jung estudou variados temas entre eles a religiosidade como ponto de transcendência do homem. Sua vasta experiência e pesquisa no campo religioso e espiritual o convenceu acerca da realidade da dimensão espiritual na psique humana. Ele verificou através da história das civilizações que religião e mitologia são fontes inesgotáveis de informações sobre a constituição dos arquétipos. “A orientação espiritual de Jung deu-lhe uma ampla perspectiva da ciência e do conhecimento racional. Ele chegou à conclusão de que a abordagem racional é meramente uma das numerosas abordagens possíveis, sendo que todas elas resultam em diferentes, mas igualmente válidas descrições da realidade. Em sua teoria dos tipos psicológicos, Jung identificou quatro funções características da psique - sensação, pensamento, sentimento e intuição -, que se manifestam em diferentes graus em cada indivíduo”. (*1, p. 354).
O termo “sincronicidade” foi usado por Jung para definir a ocorrência de padrões psicológicos com ligação não-causal. O termo "sincronicidade" foi usado para as conexões não-causais entre as imagens simbólicas do mundo psíquico simultâneas com os eventos ocorridos na realidade externa. Trinta anos depois desta proposta de Jung, a física corroborou estas afirmações. “A noção de ordem ou, mais precisamente, de um estado de conexão ordenada surgiu recentemente como um conceito central na física das partículas, e os físicos, hoje, estão fazendo uma distinção entre conexões causais (ou "locais") e não-causais (ou "não-locais"). Ao mesmo tempo, modelos de matéria e modelos mentais são cada vez mais reconhecidos como reflexos recíprocos, o que sugere que o estudo da ordem, tanto no estado de conexão causal quanto no não-causal, pode muito bem ser um caminho eficaz para explorar as relações entre as esferas interna e externa”. (*1, p. 354).
No trabalho analítico, ele recomendava ao terapeuta estar atento a si mesmo, verificando suas reações inconscientes diante do paciente. Os sonhos do paciente e do terapeuta devem ter a mesma atenção. Nada mais contemporâneo que a participação do observador no fenômeno observado. Só que esta constatação só foi verificada muito tempo depois que Jung propôs suas idéias. A teoria quântica mudou bastante a concepção clássica da ciência ao revelar o papel crucial da consciência do observador no processo de observação e ao invalidar, assim, a idéia de uma descrição objetiva da natureza.
Ao escrever sua autobiografia, Jung propôs: "Em minha opinião, ao lidarmos com indivíduos, somente a compreensão individual servirá. Necessitamos de uma linguagem diferente para cada paciente. Numa análise, posso ser ouvido falando o dialeto adleriano, numa outra, o freudiano". Com efeito, o mesmo paciente passa freqüentemente por diferentes fases no transcurso da terapia, cada uma caracterizada por diferentes sintomas e um diferente senso de identidade. Os terapeutas sabem que diferentes pacientes exibirão diferentes sintomas que, com freqüência, requerem distintas terminologias e, por conseguinte, diferentes enfoques terapêuticos.
A idéia de que o organismo humano possui uma tendência inerente para curar-se e para evoluir é uma questão que, desde o centauro Quíron, na Grécia antiga, era visto. Entre os conceitos junguianos, esta máxima é mantida. O paciente é guiado pelo terapeuta para o encontro com seu próprio curador interno. Para Jung, a terapia era um encontro entre seres humanos, onde além do diálogo consciente, havia um intenso diálogo inconsciente. Para que tal fato ocorresse era preciso um abaixamento de atitudes conscientes e defesas visando acessar o “curador ferido” que existe em cada ser. “Talvez o primeiro a perceber a psicoterapia desse modo tenha sido Jung, que enfatizou vigorosamente a influência mútua entre terapeuta e cliente e comparou esse relacionamento com uma simbiose a química”. (* 1, p. 375/376).
Jung, mesmo sem poder explicar alguns de seus conceitos de maneira “científica”, teve a coragem de mantê-los, desafiando o espírito positivista que só acreditava naquilo que podia ser comprovado. Com a evolução filosófica e as descobertas científicas a partir dos anos cinqüenta no século XX, muitas teorias e conceituações puderam ser comprovadas por analogias com outras descobertas. Só agora, com o reconhecimento da compatibilidade e da coerência entre a psicologia junguiana e a ciência moderna é que as idéias de Jung poderão ser melhor desvendadas acerca do inconsciente humano e sua dinâmica, bem como da natureza da doença mental e o processo psicoterapêutico.
Ref.
(1) CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 1982.
(2) JUNG, C.G.. AION – Estudos sobre o Simbolismo do Si-Mesmo. Petrópolis: Vozes, 1988.
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