04 dezembro 2008

Ponto de Mutação



Nesse livro (*1), o autor Fritjof Capra mostra a maneira como a Física moderna quebrou paradigmas em vários campos do conhecimento: Medicina, Psicologia, Biologia, Economia. O livro é leitura obrigatória para todos aqueles que desejam um conhecimento atualizado sobre a nova maneira de fazer ciência. No capítulo 11: “Jornadas para além do espaço e do tempo”, Capra faz um apanhado da Psicologia moderna desde Freud até o advento da Psicologia Transpessoal nos Estados Unidos em meados de 1960. É interessante verificar alguns comentários sobre a parte do capítulo em que o autor disserta sobre a Psicologia Analítica e os conceitos junguianos desde que foram enunciados.

Em uma de suas principais obras, Aion (*2), Carl G. Jung refere-se aos conceitos psicológicos e os físicos da seguinte forma:
"Mais cedo ou mais tarde, a física e a psicologia do inconsciente se aproximarão cada vez mais, já que ambas, inde­pendentemente uma da outra e a partir de direções opostas, avan­çam para território transcendente, (....) A psique não pode ser totalmente diferente da matéria, pois como seria possível de outro modo movimentar a matéria? E a matéria não pode ser alheia à psique, pois de que outro modo poderia a matéria produzir a psique? Psique e matéria existem no mesmo mundo, e cada uma compartilha da outra, pois do contrário qualquer ação recíproca seria impossível. Portanto, se a pesquisa pudesse avançar o suficiente, chegaríamos a um acordo final entre os conceitos físicos e psicológicos. Nossas tentativas atuais podem ser arrojadas, mas acredito que estejam no rumo certo"

O médico e pesquisador Jung emitiu diversos conceitos que nem sempre foram bem compreendidos por seus contemporâneos, passando posteriormente a serem valorizados e estudados com o avanço e as descobertas da física moderna. Grande parte de suas conceituações vão do começo até meados do século XX. Durante algum tempo, pela incompreensão de seus conceitos, foi chamado de esotérico, místico e religioso. Somente no final do século XX e começo do século XXI, o meio científico começou a vê-lo como gênio e outras denominações pertinentes àquelas pessoas que conseguem montar uma obra coerente e bem estruturada, porém adiante de seu tempo. Sua obra não está acabada, pois deixou em aberto várias questões para serem pesquisadas e complementadas, mas oferece amplo material para estudo e prática. Atualmente podemos destacar algumas de suas conceituações que já podem ser explicadas pela física e outras disciplinas.

Numa abordagem holística de saúde, Jung propôs a doença como um fenômeno mental que acarretava uma enfermidade física ou psicológica. Em seus estudos, ele foi além do paradigma mecanicista do começo do século XX. Ele foi o precursor em fazer a equivalência da psicologia com a física moderna e a teoria geral dos sistemas, quando estes nem haviam sido enunciados. Desde a mitologia grega, na cidade de Epidauro, Asclépio filho do deus Apolo, praticava e ensinava a arte médica vendo o homem como uma entidade integrada pelo corpo físico, mental e sociocultural. Jung privilegiou a visão sistêmica, compreendendo a psique em sua forma total nas relações. Ele percebia a psique como um sistema dinâmico auto-regulador, funcionando por alterações visando ao equilíbrio entre opostos. As idéias de Jung sobre a psique humana e a doença mental foram inovadoras e bastante modernas para o seu tempo. Para ele, “a mente é como um sis­tema auto-regulador ou, como diríamos hoje, auto-organizador, e a neurose, um processo pelo qual esse sistema tenta superar várias obstruções que o impedem de funcionar como um todo integrado” (*1, p. 354).

Concebeu ainda a energia psíquica como a força motriz para promover a dinâmica da vida. Descreveu esta energia com a linguagem da física clássica, mas a dinâmica era o que hoje os físicos descrevem como sistêmica. Pela Física moderna, o universo passa a ser visto como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão inter-relacionadas. Assim, homem e natureza fazem parte da anima mundi, apresentando inter-relação em cada ato.

O conceito de Jung de inconsciente coletivo foi e ainda é o elemento que distingue sua psicologia de todos os outros teóricos. Para o autor o inconsciente coletivo mantém um vínculo entre o homem e a humanidade, ou ainda, entre o indivíduo e o cosmo. Esta conceituação está em pleno acordo com uma concep­ção sistêmica da mente, além de apresentar bastante semelhança com os fenômenos subatômicos descritos pelos físicos. Para Jung o inconsciente coletivo é constituído de arquétipos, que são padrões formados pelas experiências remotas da humanidade, estando as mesmas presentes pelos sonhos, mitos e contos de fadas. Para ele os arquétipos são “formas sem conteúdo, representando meramente a possibilidade de um tipo de percepção e ação”.

Devido ao profundo interesse por numerosas áreas de conhecimento, Jung estudou variados temas entre eles a religiosidade como ponto de transcendência do homem. Sua vasta experiência e pesquisa no campo religioso e espiritual o convenceu acerca da realidade da dimensão espiritual na psique humana. Ele verificou através da história das civilizações que religião e mitologia são fontes inesgotáveis de informações sobre a constituição dos arquétipos. “A orientação espiritual de Jung deu-lhe uma ampla perspectiva da ciência e do conhecimento racional. Ele chegou à conclusão de que a abordagem racional é meramente uma das numerosas abor­dagens possíveis, sendo que todas elas resultam em diferentes, mas igualmente válidas descrições da realidade. Em sua teoria dos tipos psicológicos, Jung identificou quatro funções características da psique - sensação, pensamento, sentimento e intuição -, que se mani­festam em diferentes graus em cada indivíduo”. (*1, p. 354).

O termo “sincronicidade” foi usado por Jung para definir a ocorrência de padrões psicológicos com ligação não-causal. O termo "sincronicidade" foi usado para as conexões não-causais entre as imagens simbólicas do mundo psíquico simultâneas com os eventos ocorridos na realidade externa. Trinta anos depois desta proposta de Jung, a física corroborou estas afirmações. “A noção de ordem ou, mais precisamente, de um estado de conexão ordenada surgiu recentemente como um conceito central na física das partículas, e os físicos, hoje, estão fazendo uma distinção entre conexões causais (ou "locais") e não­-causais (ou "não-locais"). Ao mesmo tempo, modelos de matéria e modelos mentais são cada vez mais reconhecidos como reflexos recíprocos, o que sugere que o estudo da ordem, tanto no estado de conexão causal quanto no não-causal, pode muito bem ser um caminho eficaz para explorar as relações entre as esferas interna e externa”. (*1, p. 354).

No trabalho analítico, ele recomendava ao terapeuta estar atento a si mesmo, verificando suas reações inconscientes diante do paciente. Os sonhos do paciente e do terapeuta devem ter a mesma atenção. Nada mais contemporâneo que a participação do observador no fenômeno observado. Só que esta constatação só foi verificada muito tempo depois que Jung propôs suas idéias. A teoria quântica mudou bastante a concepção clássica da ciência ao revelar o papel crucial da consciência do observador no processo de observação e ao invalidar, assim, a idéia de uma descri­ção objetiva da natureza.

Ao escrever sua autobiografia, Jung propôs: "Em minha opinião, ao lidarmos com indivíduos, somente a com­preensão individual servirá. Necessitamos de uma linguagem dife­rente para cada paciente. Numa análise, posso ser ouvido falando o dialeto adleriano, numa outra, o freudiano". Com efeito, o mes­mo paciente passa freqüentemente por diferentes fases no transcurso da terapia, cada uma caracterizada por diferentes sintomas e um diferente senso de identidade. Os terapeutas sabem que diferentes pacientes exibirão diferentes sintomas que, com freqüência, requerem distintas ter­minologias e, por conseguinte, diferentes enfoques terapêuticos.

A idéia de que o organismo humano possui uma tendência inerente para curar-se e para evoluir é uma questão que, desde o centauro Quíron, na Grécia antiga, era visto. Entre os conceitos junguianos, esta máxima é mantida. O paciente é guiado pelo terapeuta para o encontro com seu próprio curador interno. Para Jung, a terapia era um encontro entre seres humanos, onde além do diálogo consciente, havia um intenso diálogo inconsciente. Para que tal fato ocorresse era preciso um abaixamento de atitudes conscientes e defesas visando acessar o “curador ferido” que existe em cada ser. “Talvez o primeiro a perceber a psicotera­pia desse modo tenha sido Jung, que enfatizou vigorosamente a influência mútua entre terapeuta e cliente e comparou esse rela­cionamento com uma simbiose a química”. (* 1, p. 375/376).

Jung, mesmo sem poder explicar alguns de seus conceitos de maneira “científica”, teve a coragem de mantê-los, desafiando o espírito positivista que só acreditava naquilo que podia ser comprovado. Com a evolução filosófica e as descobertas científicas a partir dos anos cinqüenta no século XX, muitas teorias e conceituações puderam ser comprovadas por analogias com outras descobertas. Só agora, com o reconhecimento da compatibilidade e da coerência entre a psicologia jun­guiana e a ciência moderna é que as idéias de Jung poderão ser melhor desvendadas acerca do inconsciente humano e sua dinâ­mica, bem como da natureza da doença mental e o processo psicoterapêutico.


Ref.
(1) CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 1982.
(2) JUNG, C.G.. AION – Estudos sobre o Simbolismo do Si-Mesmo. Petrópolis: Vozes, 1988.

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