O filme realça os pontos de vista a partir do amor e do poder. Afinal, qual foi o motivo dessa guerra (mítica), que foi considerada a maior da história? Essa dúvida é alimentada no decorrer da narrativa e os dois motivos citados são de enorme importância para as tomadas de posição nas batalhas e na vida como um todo. As pessoas, tanto naquela época como hoje, enfrentam os mesmos problemas compartilhados e humanos em geral, ou seja, arquetípicos.
Amor e poder não constituem pólos de um mesmo eixo, pois um não é o contrário do outro. Poderíamos situar o ódio como oposição ao amor, assim como a subserviência ao destino em relação ao impulso do poder. Entretanto amor e poder são excludentes, onde um está presente normalmente o outro se afasta. Quem ama não controla e muito menos domina. As pessoas mostram isso nas suas ações diárias, pois aquele que está preocupado apenas com sua ascensão social ou profissional termina por colocar as outras questões humanas em planos secundários.
A guerra de Tróia simboliza a primeira metade da vida com os desafios das conquistas (poder) e da descoberta do amor. Qual prevalecerá? Qual deles será o mais relevante para nossas vidas individuais? Os dois aspectos são importantes, mas normalmente há a predominância de um deles.
Menelau conta que seu irmão Agamnênon (Micenas), o mais forte dos gregos, estava com a vida impregnada pela busca do poder. O rei de Esparta citado por Homero menciona:
“A guerra é travada entre nações. Mas são os seres humanos que pagam por ela. A única coisa que nos resta é o amor, a única e verdadeira dádiva dos deuses. É através do amor que esperamos e rezamos para que os deuses nos dêem a paz.”
Menelau surpreende Helena, já preparada para morrer, ao poupar sua vida. Mas como exterminá-la brutalmente se ele vivia em função do seu amor? Como resposta à pergunta sobre o que iria fazer após a guerra, Helena responde: “Vou seguir”. Depois de tantas tragédias e desgraças na sua vida, ela simplesmente se dispunha a..... seguir em frente!
Afinal, o que é o amor e como ele se manifesta? Quando falamos desse assunto estamos nos referindo a EROS de modo que o tema precisa então ser melhor elaborado, o que veremos em próximos artigos. Enquanto isso ficamos atentos à atuação desse DAIMON (sentido socrático da palavra como guia, inspirador...) chamado pelos romanos de Cupido. Segundo Platão, Diotima ensinou a Sócrates que Eros era um daimon...
Outro filme interessante sobre o tema é DON JUAN DE MARCO, de 1995, produzido por Francis Ford Coppola, com Marlon Brando, Johnny Depp, Faye Dunaway. “É a história de um homem que pensava ser o maior amante do mundo...”
“Um rapaz usando uma máscara negra ameaça se jogar do alto de um prédio. O jovem afirma ser Don Juan, o lendário conquistador de mulheres. Por ter perdido seu primeiro e verdadeiro amor, caiu em profunda depressão. O psiquiatra interpretado por Marlon Brando é chamado para salvá-lo. No início da história, este profissional parece cansado, pronto para se aposentar. Mas, à medida em que ‘Don Juan’ começa a descrever sua vida, ele vai se sentindo revigorado. Ambos se envolvem em um curioso relacionamento que beneficiará até a mulher do psiquiatra, sempre relegada a segundo plano pelo marido.”
Em determinado momento do relacionamento, o paciente faz as seguintes perguntas ao psiquiatra (saudações à Dulcinéa pela sensibilidade e conhecimento):
O que é sagrado?
De que é feito o espírito?
Por que vale a pena viver?
Por que vale a pena morrer?
As questões instigantes provocam ligeira reflexão. O sagrado é tudo aquilo que está de acordo com a vida, é o que busca o sentido e o significado como um brinde à existência humana; é o fato de estar seguindo esta corrente e este fluxo. É também a conseqüência de tudo isso. O sagrado é o encantamento, é o simples, mas é também o que está além da compreensão humana. Ocorre quando ficamos mudos (kairós?) em certos momentos como no pôr-do-sol, quando nasce uma criança, quando apreciamos uma flor, uma imagem, uma fantasia. São momentos de emoção, expansão e pertencimento. Todos precisamos ter espaço para a manifestação desses aspectos fundamentais, mas atualmente parece haver dificuldades para isso, pois o sagrado foi eliminado dos componentes sociais, das instituições, das organizações e até mesmo de muitas famílias. Mas o apego ao consumismo e ao tempo linear e cronológico deve ser sempre uma opção responsável de cada pessoa. Maior ampliação da consciência é o antídoto para o tratamento massificado promovido pela mídia e instituições. Cidadania seria a expressão da consciência no nível social, campo que não beneficia o consumismo desenfreado e nem a paixão política ou ideológica.
O espírito, nos muitos sentidos da palavra, aponta para o princípio animador ou vital dos organismos físicos. No grego corresponde a ‘pneuma’ (o sopro vital), pois o princípio do ar e da respiração acompanha o indivíduo desde o nascimento até o último suspiro. Assim, o espírito não é a ALMA (conceito que ainda veremos de acordo com a Psicologia Junguiana). Nós sentimos o espírito, não sabemos tanto dele da mesma forma que normalmente não tomamos conhecimento da nossa respiração, mas ela continua no seu ritmo indispensável. Não podemos saber de tudo o que ocorre, assim catalogamos o que não é percebido como participante dos processos inconscientes. E se não sabemos de tudo, é boa escolha não alimentar a prepotência e termos mais humildade intelectual. O espírito se manifesta em nós através de inspirações rápidas e fugidias que voam para as nuvens como pássaros muito rápidos que não foram recebidos na nossa consciência egóica. É também como o vento que surge e não sabemos de onde vem nem para onde vai.
Vale a pena viver se conseguirmos experimentar o sagrado de que somos, o que somos e como somos. Seres únicos, singulares, específicos – e participantes de um cenário maior e social de eternos aprendizes. E ter consciência de tudo isso.
Vale a pena morrer porque faz parte do sagrado da vida. Se vale a pena viver, a morte é o desdobramento natural. Tem medo da morte quem normalmente receia a plenitude de sua vida. Não há conflito entre vida e morte. A vida completa contempla nascimento e morte. Quem chegar ao seu momento culminante com a impressão de que tirou o máximo de si mesmo encontrará a plenificação e a realização. Para Jung esse é o “coroamento da vida. E a morte é a última linha de todas as coisas: mas eu não abro mão de nenhuma delas.”
Voltando às questões suscitadas no filme, passemos à resposta única do nosso Don Juan de Marco para as quatro perguntas: SÓ POR AMOR! (Ou com ele está relacionada).
A palavra amor é dessas que nos dão a impressão de que sabemos tudo ou então não sabemos nada, dependendo de cada momento que marca o nosso tempo mágico (kairós). Vimos sua importância ressaltada nos dois filmes. Mas o que é o amor? Para melhor reflexão, vamos associá-lo com EROS, como já faziam os antigos gregos.
(continua)
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