28 janeiro 2009

Aedos e Rapsodos - Mário Quintana



O começo, o início de alguma criação é sempre bem instigante e nebuloso. O conhecimento humano, desde sempre inspira estudiosos que propõem o princípio com o estado caótico evoluindo para algo mais estruturado – o cosmo. Muito do conhecimento da civilização ocidental se deve ao trabalho incessante dos poetas e declamadores (aedos e rapsodos) que tornaram possível a permanência dos saberes primordiais. Eles participavam ativamente da sociedade grega, usando as praças públicas para contar em versos as façanhas e estórias dos ancestrais. Foi conhecendo estas poesias que Homero e Hesíodo compuseram as epopéias que nos fazem conhecedores das sagas e lendas dos primeiros homens que habitaram a Grécia, berço da civilização ocidental. Homero e Hesíodo foram os primeiros a usar a linguagem escrita no mundo ocidental. A partir desse ponto, em incontáveis épocas e regiões do mundo, inúmeros poetas criaram e descreveram originalmente situações ou momentos.

Nos primórdios da escrita, ainda na fase mito-poética, o poeta era chamado de “fingidor”, pois ele utilizava as falas de suas personagens para se referir a possíveis diálogos com reis, aristocratas e deuses. Assim como um sonhador, conseguia se antecipar ao seu tempo, percebendo e intuindo os acontecimentos antes de terem ocorrido. Sua aguçada percepção era usada na poesia para falar ao coração dos homens sobre temas que ainda não eram perfeitamente conhecidos e que apontavam para possibilidades futuras do inconsciente da população. Os poetas, brincando com as palavras e colocando intensa emoção, desafiavam a passagem do tempo cronológico, dando voz aos sentimentos e sensações de toda uma cultura ou sociedade.

Em todas as épocas e lugares os poetas estiveram presentes, marcando cada momento histórico. Muitos estudiosos consideram os poetas seres divinizados, pois como um deus eles concebem algo através das palavras.

São muitos os poetas brasileiros que tornam nossa leitura interessante e profundamente rica. Para começarmos a falar de poesia brasileira, Mario Quintana, o gaúcho impertinente, sarcástico e bem humorado inicia uma série de artigos em homenagem a estes grande escritores que nos fazem sonhar e admirar o mundo.

Nada mais adequado que o próprio Quintana se descrever e assim começarmos a nos acostumar com seu humor ferino e bem dosado. “O ironista se julga superior às suas personagens; o humorista, nunca. O primeiro diverte-se à custa alheia e o último à sua própria custa.”

MARIO QUINTANA POR MARIO QUINTANA – “nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão.” (texto escrito pelo poeta para a revista Isto É de 14/11/1984).

“Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Há! Mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai ! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas : ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade.

Nasci do rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a Sir Isaac Newton!

Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que nunca acho que escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! Sou é caladão, introspectivo. Não sei por que sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?

Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante 5 anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Veríssimo – que bem sabem (ou souberam), o que é a luta amorosa com as palavras.”

As poesias de Quintana possuem a feliz característica da espontaneidade, pois o poeta fala e escreve seus sentimentos sem meias palavras ou medidas. Talvez por isso mesmo, foi tão respeitado e admirado como um grande homem e um magnífico poeta. Suas poesias são consideradas verdadeiras conspirações entre o autor e o leitor.

“Eu amo o mundo!
Eu detesto o mundo!
Eu creio em Deus!
Deus é um absurdo!
Eu vou me matar!
Eu quero viver! - Você é louco? - Não, sou poeta.”

“Convivência entre o poeta e o leitor, só no silêncio da leitura a sós. A sós, os dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, não quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro amador de poemas ama em silêncio...”

“A poesia é o mistério evidente.”

“Todas as artes são manifestações diversas da poesia – inclusive, às vezes, a própria poesia.”

Sua vida foi dedicada a colocar em versos os fatos cotidianos e aqueles só imaginados e intuídos. Seus poemas são dotados de beleza nas palavras e, principalmente de emoção e sentimento. As palavras dosadas e usadas para essencialmente decodificar a mensagem que a poesia se propõe. Sua linguagem é direta, sem muitos floreios ou meias-palavras, o que facilita o entendimento. Quintana parte do princípio que as palavras simples bem usadas são mais eficientes que a erudição sem conteúdo.

“Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente ... e não a gente a ele!”

“Ser poeta não é dizer grandes coisas, mas ter uma voz reconhecível dentre todas.”

“Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras!”

Em uma carta resposta, Mario Quintana fala sobre poesia, em como fazê-la e como apreciá-la. É com sinceridade característica que expõe o que é fazer e como escolher a leitura a um novo discípulo.

“A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola traçada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje........................... Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que, no entanto me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.”

Mario Quintana foi um autor de personalidade, admirado e respeitado por seus pares. Dedicou-se à literatura como só um poeta sabe fazê-lo. Entre seus admiradores estavam grandes intelectuais da época: Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Morais, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira.

“Se te contradisseste e acusam-te....sorri
Pois nada houve, em realidade
Teu pensamento é que chegou, por si,
Ao outro pólo da verdade......”

“Enquanto houver poetas, haverá esperança no mundo.”

Manuel Bandeira esperava e torcia por sua entrada para Academia Brasileira de Letras, fato que não ocorreu. Perdida a terceira indicação para a Academia, compôs com seu aguçado e conhecido humor e sarcasmo o: ‘Poeminho do Contra’ (Prosa e Verso, 1978).

“Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!”

Em Porto Alegre, no dia 5 de maio de 1994, próximo de seus 87 anos, faleceu o corpo do poeta e escritor Mario Quintana. Um poeta jamais morre, ele vive enquanto seus versos existirem, ou nas palavras do poeta:

“Quando um grande poeta morre, sente-se esta súbita parada no coração do mundo.”

“Repara como o poeta humaniza as coisas: dá hesitação às folhas, anseio ao vento. Talvez seja assim que Deus dá alma aos homens.”

“Quem faz um poema abre uma janela.”

Mais uma vez o poeta brincou com a existência, escrevendo sobre a morte:
"Amigos não consultem os relógios quando um dia me for de vossas vidas... Porque o tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida - a verdadeira - em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira".E, brincando com a morte:
"A morte é a libertação total: a morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos".

20 janeiro 2009

Os gregos estão de volta




OS GREGOS ESTÃO DE VOLTA


Este primeiro artigo do ano apresentará alguns pontos das nossas atividades e mostrará, na sequência, um resumo de artigo publicado no jornal O GLOBO (17 janeiro 2009, Caderno ELA) com o título OS GREGOS ESTÃO DE VOLTA. Neste início de um novo ano, percebemos certo retorno dos valores gregos atuando na sociedade e na cultura, ganhando destaque na mídia.

Este é portanto o ponto de reinício dos nossos artigos e vamos diretamente a alguns pontos gerais:

1) GRUPOS DE ESTUDOS. Há articulações diversas no sentido de fechar grupo de estudos nos módulos de INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA JUNGUIANA e também MITOLOGIA GREGA. Os encontros semanais são dinâmicos, colaboram para aspectos culturais e de autoconhecimento, como também para a discussão em grupo de aspectos das vivências humanas à luz dos conhecimentos da psicologia e da mitologia. São grupos de 6 a 8 pessoas que se reúnem em dois turnos de 1h e 15min, com um pequeno intervalo. Os períodos disponíveis são as noites de terças, manhãs e tardes de quartas. Quem tiver interesse pode solicitar mais detalhes por email, como indicado no blog.

2) EVENTOS sobre nosso livro. Tivemos dois eventos sobre o nosso livro: na livraria Argumento do Rio Design Barra e na FNAC do Barrashopping. Agradecemos aos amigos a presença e também o estímulo. É muito importante perceber que pessoas usufruem e colaboram com os assuntos e temas desenvolvidos. Deixamos alguns volumes disponíveis em São João del-Rei(MG) com Lurdinha (Largo do Rosário, 74).

3) CURSO DE FÉRIAS. Está em pleno andamento esta atividade na Universidade Estácio de Sá. As turmas de A LINGUAGEM SECRETA DOS SONHOS e INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA JUNGUIANA estão em pleno andamento num ritmo tranqüilo e ao mesmo tempo vibrante, com a participação estimulante de bom número de pessoas. Em julho a atividade deverá ocorrer novamente nos Campus Akxe e Tom Jobim (Barra da Tijuca).

4) ARTIGOS NO BLOG. É importante que as pessoas se cadastrem para recebê-los. Entretanto o envio para os endereços pessoais ocorrerá em números alternados. Assim, as pessoas poderão acessar o blog para a leitura daqueles não enviados. E poderão perceber notícias e novidades, como também fazer comentários e sugestões.

5) OS GREGOS ESTÃO DE VOLTA (O Globo, 17 jan 09). Resumo do artigo.

Quando a crise bate, a tendência é buscar a solução nos ensinamentos da Grécia. Assim, retomam-se antigos valores gregos na moda, na culinária, na forma de pensar o mundo e em outras vertentes.

Como o homem pode alcançar a felicidade? Qual o sentido da vida? Estas e tantas outras perguntas feitas pelos (filósofos) gregos estão na ordem do dia. Há um crescente número de cursos diversos sobre o tema Grécia, ocorrendo inclusive listas de espera.

O filósofo Fernando Muniz explica que o retorno aos gregos é cíclico e surge em momentos de crise, como o atual. Mas por que será que, desde o Renascimento, há esse retorno cíclico aos gregos? Frisando que só retornamos porque viemos de lá, o mencionado filósofo diz que nossas origens têm raízes nos gregos. E acha que a tentativa de retornar a eles ocorre quando estamos buscando um ponto de partida. Uma busca que é praticamente uma viagem.
- É curioso, porque o retorno é um tema grego. A Odisséia é a história do retorno e também do reconhecimento, explica. Quando volta para Ítaca, Odisseu se perde e é exatamente ao se perder que ele acaba se reconhecendo e voltando para casa.

Para esse autor, quando retornamos aos gregos, de certa forma queremos voltar para casa. Não em busca daquilo que nos é familiar, mas de um lugar onde exista outra possibilidade de vida.
- Então não é uma volta ao passado, mas uma projeção para o futuro. Nós queremos ir até onde eles estão e, nesse sentido, eles estão muito além.

Lembrando que o momento atual é de muito vazio, algo inabitável, ele diz que voltar aos gregos é também apreender a experiência de um passado riquíssimo que possibilita entender o mundo, os outros e nós mesmos.

Com um viés psicanalítico, o autor alerta para que não nos atiremos numa busca narcisista.
- Não podemos querer encontrar nos gregos aquilo que já somos. Nesse sentido a Odisséia é modelar. Para Odisseu (Ulisses) se reconhecer, foi preciso que, de certa maneira, ele se perdesse. Para encontrar outra possibilidade, é preciso se perder. E os gregos nos oferecem essa oportunidade porque são diferentes de nós. Eles pensavam, viam e sentiam completamente diferente.

Segundo Muniz, fomos reconduzidos a um individualismo egoísta, em que os próprios desejos e satisfações são moedas de troca. E, ao mesmo tempo em que isso é uma evidência inegável, há uma percepção, principalmente na juventude, do quanto isso é insuportável em termos de vida. Surge uma tentativa de encontrar modos de construção de uma forma digna de viver. – De que maneira eu posso tornar minha existência digna, um valor não comercializável, ou seja, a vida não no sentido fisiológico, mas no sentido ético? Esse senso de dignidade da vida se perdeu. A dignidade como comportamento ético, mais ou menos inspirada na citação de Sócrates: Uma vida que não se examina não merece ser vivida.

O vazio que sentimos hoje nos coloca em sintonia com os gregos. Porque ao pensar neles invocamos o aspecto trágico da existência, a compreensão da vida a partir dela mesma.. E como estamos diante de um futuro muito tenebroso, nossos jovens que olham esse horizonte e acabam tendo pouca razão para ter qualquer tipo de sonho, otimismo ou utopia. Dessa forma, experimentam um desamparo diante da vida que se aproxima da cultura trágica. Esse espetáculo da fragilidade humana, que é a tragédia, segundo esse filósofo, hoje encontra público numa juventude desiludida diante do mundo. Para ele, os alunos hoje sentem uma identificação com esse universo, achando que com os gregos eles se sentem acompanhados.

Para o escritor e psicanalista Carlos Eduardo Leal, os gregos estão de volta simplesmente porque foram eles que levantaram as melhores perguntas sobre o ser humano e pensaram como respondê-las. - Questionamentos sobre a tranquilidade, felicidade e ética são fundamentais e até hoje estão sem respostas. Portanto, voltar à sabedoria grega é buscar respostas para nossa angústia recorrente.

Para Leal, o terceiro milênio não trouxe as respostas que muitos esperavam. Seja do ponto de vista religioso, psicanalítico, ético/moral. Faltam caminhos que guiem o homem, e ele tem consciência de que a psicanálise não dá respostas, porém sua experiência expõe questões fundamentais sobre os limites do homem. É preciso dar um basta ao conceito abrangente de globalização que propõe um mundo sem bordas, sem limites. Alguém já viu uma piscina sem bordas, um rio sem margens? Pois o que o mundo tenta é fazer um ser humano sem limites.

Leal acha que isso beira a perversão. Ele cita as tragédias naturais (Santa Catarina) ou entre os homens (guerra, narcotráfico, escândalos financeiros), destacando que elas também estimulam o retorno aos gregos, que tinham na tragédia o drama humano por excelência: o herói e um destino inequívoco a cumprir. E complementa:

- O mundo anda perdido, deambulando, tal como Édipo em Colona, já cego pelos crimes cometidos: parricídio e incesto. Diante desse avanço irrefreável, às cegas, muitos buscam respostas atuais para antigas questões. E buscar sabedoria é buscar um sentido para a vida. O que é clássico. Então eu pergunto: a angústia diante da falta de respostas para a vida nos reenviará sempre aos gregos, aos consultórios dos psicanalistas ou às igrejas?

6) Nossa conclusão sobre o artigo acima:
O enfoque psicanalítico ressalta a importância do assunto e certamente auxilia numa melhor compreensão da realidade que vivemos atualmente. Jung, no desenvolvimento da Psicologia Analítica, dedicou muita atenção no estudo e nas relações dos conteúdos da mitologia grega em nossas vivências, como também da filosofia. Ele tornou-se um profundo conhecedor desses temas e questionamentos que auxiliam tanto o ser humano individualmente no seu processo de individuação como também na atividade clínica. Mitos e sonhos constituem farto material para ser trabalhado e elaborado na relação analítica, colaborando na transformação individual e coletiva.

Com esse potencial criativo, que retorna sempre para nossas vivências, os gregos, os mitos, os questionamentos e os deuses são representantes dos arquétipos do inconsciente coletivo. Estas questões estão bem desenvolvidas no nosso livro MITOLOGIA E VIVÊNCIAS HUMANAS, mostrando que os mitos são sempre atuais, participando das imagens e emoções que acompanham nossas vidas. O conhecimento dos mitos permite um questionamento tanto pessoal quanto coletivo, polos indissociáveis da experiência humana. Nesse sentido, não só a leitura desse livro como também a participação nos Grupos de Estudos podem auxiliar no conhecimento maior de si próprio, dos valores gregos e da própria humanidade.